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1 de Novembro de 2024O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou um recurso da Fazenda Nacional contra a Cremer, da Viveo, em um caso de amortização de ágio. É o primeiro processo sobre o tema julgado pela Corte. Para o relator, a matéria seria infraconstitucional – ou seja, a última palavra seria do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – e a União não enfrentou os argumentos no acórdão que lhe foi desfavorável, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
O entendimento é importante porque, no STJ, há precedentes favoráveis a contribuintes. Além da derrota no próprio caso Cremer, outros dois recursos da União não foram conhecidos, em um caso da Gerdau e outro da Companhia Energética de Pernambuco – antiga Celpe, hoje Neoenergia Pernambuco.
A cobrança contra a Cremer, fabricante de produtos para o setor da saúde, se permitida, seria da ordem de R$ 40 milhões, referentes a Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que vai recorrer da decisão.
Apesar do relator não entrar no mérito do caso e tratar apenas de questões processuais, a interpretação dele foi vista com bons olhos por tributaristas. Isso porque o ministro delimita que a discussão é sobre lei ordinária, o que afasta a competência do STF. Ela também preserva o precedente da Cremer no STJ, considerado o mais completo até agora.
O tema é controvertido e gerou decisões para ambos os lados na esfera administrativa. Ainda não há como falar em jurisprudência sobre o assunto, porque muitas ações que saíram do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ainda não foram julgadas pelos TRFs.
No STJ, até então, a situação é favorável. Segundo um mapeamento feito por escritório de advocacia, existem 11 casos sobre ágio no tribunal superior. Sete advêm do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). Desses, cinco são da antiga Celpe. Outros três chegaram do TRF-4 e um do TRF-3. Só há decisão de mérito no processo da Cremer.
A União chegou a abrir um edital de transação tributária específica para esse tema, em 2022 (Edital nº 9/2022). Na época, a PGFN informou que o valor do contencioso envolvendo a tese era de R$ 150 bilhões, sendo R$ 25,6 bilhões inscritos em dívida ativa. Outros R$ 122,6 bilhões estavam no Carf e Delegacias de Julgamento (DRJ), somando um total de 377 processos.
No caso de ágio interno, tema abordado no Caso Cremer, a discussão gira em torno da Lei nº 9.532/1997. Os artigos 7º e 8º preveem que quando um patrimônio de uma empresa for absorvido por outra a partir de “incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio”, é possível que o sobrepreço seja deduzido do IRPJ e CSLL.
Contribuintes defendem que a legislação não veda a operação entre partes interdependentes, pois a proibição só veio com a Lei nº 12.973/2014. Já a Fazenda alega que manobras feitas entre empresas do mesmo grupo não podem dar margem à dedução de ágio, mesmo antes de 2014. Isso porque não há um terceiro independente para a compra, o que pode provocar operações artificiais, com o aproveitamento indevido do benefício fiscal.
No recurso ao STF, a PGFN argumenta violação ao princípio da capacidade contributiva e que, no caso Cremer, “não houve qualquer dispêndio monetário, mas mera troca de ações”. Para o órgão, a decisão do TRF-4 autoriza “a criação artificial de um ágio, sem qualquer circulação de novas riquezas e sem a presunção da perda de investimento pelo real investidor, e esse valor, dotado da mais pura artificialidade, virá a ser utilizado para reduzir os valores de IRPJ e CSLL devidos aos cofres públicos”.
Para Moraes, a procuradoria “não aduz nenhum elemento concreto atinente ao impacto financeiro, social ou jurídico da matéria, limitando-se a tecer considerações genéricas”. E que as ofensas à Constituição seriam “meramente indiretas”. “Não havendo demonstração fundamentada da presença de repercussão geral, incabível o seguimento do recurso”, afirma o relator (RE 1.515.226).
O objeto do litígio foi uma operação da Cremer feita em 2004, em que ela incorporou a Cremerpar para receber um investimento estrangeiro do Merril Lynch Global Partners (MLGP). A reestrututação societária foi realizada em três etapas. Primeiro os controladores da Cremer formaram a Cremerpar para reunir suas participações. Na sequência, com aporte da instituição financeira, compraram as ações dos minoritários. A terceira etapa foi a aquisição do controle da Cremer pelo Merril Lynch.
Os antigos controladores seguiram com participação diluída. Cada etapa gerou ágio, mas a Receita Federal não questiona o segundo ágio, gerado com a compra da participação dos minoritários. Ela autuou valores referentes aos outros dois.
Já a análise do fato, afirma, consiste em saber se houve uma operação artificial, como alega a PGFN. “São aquelas operações que não tiveram propósito algum a não ser a geração de um ágio”, diz. “Mas é uma prova que a Fazenda deve produzir em cada processo, o que não foi trazido nesse caso [da Cremer]. E por ser um aspecto probatório, não caberia ao STF julgar.”
Em nota, a Cremer afirma que a decisão de Alexandre de Moraes “demonstra que a dedução fiscal de ágio registrado pela Cremer não envolve matéria constitucional”. “Mantida tal decisão, prevalecerá a linha de entendimento do STJ, a qual representa um importante precedente que dá com segurança jurídica às operações que envolverem investimentos estrangeiros não especulativos e nacionais em combinações de negócio feitas entre partes não relacionadas”, diz.
Em nota, a PGFN afirma que vai recorrer da decisão “tendo em vista que é um dos primeiros casos de ágio interno a ser analisado pela Suprema Corte”. “Entende a Fazenda que há elementos em discussão que precisam ser melhor examinados quando do julgamento pela Turma do Supremo Tribunal Federal”, diz.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico