A edição da Lei dos Preços de Transferência (nº 14.596), em 2023, não alterou o posicionamento da Receita Federal sobre a tributação sobre contratos de compartilhamento de custos – o chamado “cost sharing”. A confirmação está em Solução de Consulta (SC) nº 39, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que orienta os fiscais do país.
A possibilidade de mudança de interpretação preocupava os contribuintes. Embora o conceito adotado pela Receita Federal não seja considerado benéfico pelas empresas, é melhor ser mantido do que haver mudanças, afirmam os especialistas.
O compartilhamento de custos é uma prática comum em empresas multinacionais. Nele, normalmente, a matriz centraliza as atividades secundárias dela e das filiais – como contabilidade, tecnologia da informação (TI), assessoria jurídica e recursos humanos (RH).
Quando a empresa centralizadora está no exterior, a Receita Federal exige, sobre o pagamento por esses serviços, o recolhimento de Imposto de Renda Retido na Fonte (cerca de 15%), Cide (mais 10%) e PIS e Cofins-Importação (mais 9,25%).
Essa tributação vem sendo reconhecida pela Receita em soluções de consulta editadas pela Cosit desde 2015. A de nº 43 instituiu que a transferência pode ser tributada por Cide por se tratar de uma prestação de serviço. Em 2016, a de nº 50 adotou o mesmo raciocínio para a incidência do PIS e da Cofins.
Em 2019, a de nº 276 incluiu o IRRF à lista e foi além, afirmando que, para que não incidissem os tributos sobre essas operações, seria necessário que existisse benefício mútuo entre as partes, o que não aconteceria nos contratos de cost sharing, nos quais, segundo a Receita, uma empresa presta serviços para outra.
Em 2023, a Lei dos Preços de Transferência trouxe definições para serviços intercompany, de baixo valor agregado, e do contrato de “cost-contribution agreement” – ou “cost sharing” -, figuras que não existiam na legislação brasileira.
O temor dos contribuintes, no entanto, não se materializou. Na Solução de Consulta Cosit nº 39, a Receita reiterou a incidência de IRRF, Cide, PIS e Cofins-Importação sobre o compartilhamento de custos entre empresas de um mesmo grupo econômico.
A normativa chega a mencionar a Lei dos Preços de Transferência, mas não aplica suas previsões ao caso concreto, uma vez que a questão não foi suscitada expressamente pelo contribuinte. A Receita informa que eventual dúvida sobre a legislação deverá ser encaminhada em conformidade com o artigo 15 da Instrução Normativa RFB nº 2.058, de 2021, segundo o qual são necessárias informações adicionais para pedidos de soluções de consulta que envolvam preços de transferência.
Nas esferas administrativa ou judicial, porém, os precedentes até hoje são favoráveis aos contribuintes. Em 2020, a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reconheceu a incidência do IRRF nos contratos de cost sharing, com base na Solução de Consulta Cosit nº 43, de 2015 (processo nº 16561.720139/2018-95).
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em dois julgamentos diferentes, a 1ª Turma decidiu pela incidência da Cide, com referência à SC 43, de 2015 (processo nº 5056102-95. 2016.4.04.7000). E a 2ª Turma reconheceu a incidência de PIS/Cofins-Importação, com base na SC 50, de 2016 (processo nº 5030414-97.2017.4.04.7000).
A incidência da Cide ainda foi chancelada pela 4ª Turma Especializada do TRF-2, em 2021, também com base na SC 43. Os desembargadores entenderam que o conceito de remuneração, fato gerador da contribuição, não depende da existência de margem de lucro (processo nº 0178161-04.2016.4.02.5101).
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico