Em decisão unânime, a 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afastou uma operação de distribuição desproporcional de lucros, determinando a tributação dos valores. Após concluir que teria havido uma doação disfarçada, foi mantida a cobrança do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). O caso concreto envolve uma sociedade em que os sócios majoritários (pais) transferiram lucros altos aos sócios minoritários (filhos). Em janeiro de 2017, os dois filhos receberam uma distribuição de lucros de cerca de R$ 24.140.948,49, enquanto os pais obtiveram R$ 2.682.327,60, totalizando a distribuição desproporcional de lucros de R$ 53.646.552,19.
O objeto da decisão está relacionado a um dos pontos tratados PLP 108/2024, segundo projeto que regulamenta a reforma tributária. A proposta introduz novos critérios para a distribuição desproporcional de lucros, estabelecendo limites e impondo às empresas a obrigação de fornecer relatórios mais detalhados sobre a destinação de seus lucros, garantindo maior transparência para auditores fiscais e acionistas.
No caso analisado pelo TJSP, em 2021 a Fazenda estadual de São Paulo notificou os sócios para que fosse apresentada a documentação societária e contábil relativa à doação das quotas da empresa, realizada em 2017. Um dos filhos diz ter apresentado a documentação solicitada pelo Fisco e que, após a análise, a autoridade fazendária lavrou a cobrança de ITCMD sobre a distribuição desproporcional de quotas.
De acordo com a defesa do contribuinte, a distribuição desproporcional de lucros “depende tão somente de deliberação em ata de reunião e na previsão da possibilidade de distribuição desproporcional em contrato social, e que ambos os requisitos foram observados”. Por isso, requereu a derrubada da exigência de ITCMD.
A juiza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, manteve a incidência do imposto, impondo à Fazenda Pública estadual a limitação da multa aplicada a 100% do valor do tributo devido. Segundo a magistrada, o modo pelo qual o negócio jurídico se deu caracteriza doação, eis que “presentes o animus donandi que se operou em liberalidade espontânea, inexistindo justo motivo ou motivo legítimo para que o negócio jurídico de distribuição desproporcional da costas não se considere como doação”.
A defesa do filho recorreu e argumentou que os dividendos distribuídos possuem origem no resultado efetivo da atividade desenvolvida no âmbito da construção civil e incorporação imobiliária. Ainda, foi deliberada por decisão unânime dos sócios a distribuição dos lucros líquidos, que vêm sendo pagos paulatinamente aos sócios.
Além disso, sustenta que a distribuição desproporcional é legítima, pois a prática estava prevista no contrato social da empresa e estaria “diretamente ligada ao interesse empresarial”. O homem também requereu o reconhecimento do caráter excessivo da multa aplicada pelo Fisco paulista, de 100% do valor do tributo, solicitando a sua redução para “patamares razoáveis”.
‘Mera liberalidade’
Ao analisar o caso, o relator e desembargador Paulo Barcellos Gatti, da 4ª Câmara de Direito Público do TJSP, destacou que, ainda que a legislação permita que os sócios definam no contrato a hipótese de distribuição desproporcional de dividendos/lucros, fato é que deve haver uma razão negocial para tanto, sob pena de se caracterizar como mera liberalidade, característica intrínseca da operação de doação.
No caso em debate, segundo Gatti, a liberalidade ficou comprovada por alguns aspectos. Primeiramente, a distribuição desproporcional de dividendos ocorreu por mera vontade dos genitores, que detinham 98% da sociedade e cederam substancial parte de seus dividendos para os filhos que, na época, sequer eram sócios-administradores para justificar uma atuação excepcional a ser recompensada com a distribuição atípica. Além disso, intimados a comprovar a razão negocial, os dois irmãos limitaram-se a alegar que seria uma forma de compensar financeiramente o fato de terem atuado como administradores da empresa, embora não detivessem tal qualidade à época, a qual foi a eles conferida somente após a distribuição desproporcional.
“Em conclusão, inexistindo qualquer propósito negocial para a referida distribuição desproporcional de dividendos que o impetrante recebeu, restou caracterizada a liberalidade de seus genitores em doar quase 50 milhões de reais e a liberalidade do impetrante e de sua irmã em receber mais de 24 milhões de reais cada”, disse Gatti.
Em relação à multa contestada, o relator afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou entendimento no sentido de que as multas tributárias punitivas estão limitadas a 100% do valor do tributo. “Em suma, correta a solução albergada pela r. sentença de primeiro grau no sentido da presença de causae debendi legítima para exação do ITCMD e na manutenção da multa punitiva no patamar de 50% do valor do tributo”, concluiu.
O processo mencionado na reportagem tramita com o número 1089011-58.2023.8.26.0053 no TJSP.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal jurídico JOTA