O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve uma decisão favorável ao Grupo Cargill em discussão relevante sobre tributação no exterior. Os conselheiros validaram uma estrutura de trading sediada em paraíso fiscal e afastaram uma autuação de R$ 143 milhões. O julgamento da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção foi unânime. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recorreu da decisão.
O caso trata da tributação de filial da Cargill localizada nas Ilhas Turcos e Caicos, território britânico no Caribe. Os grãos eram comprados da matriz brasileira e outras empresas e negociados com terceiros sem que a mercadoria fosse transmitida fisicamente pela filial.
Para a Fazenda, não havia propósito negocial nas operações da filial estrangeira, que seria usada só para a obtenção de vantagem tributária, como a dedução de despesas com variações cambiais da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL. Essa dedução é vedada no Brasil, mas autorizada pela legislação das Ilhas Turcos e Caicos.
Segundo tributaristas, o argumento de falta de “propósito negocial” ou “substância econômica” é muito usado pela Receita Federal. O tribunal administrativo, porém, sempre analisa caso a caso e decide a favor dos contribuintes quando eles conseguem provar que há operação na filial estrangeira, além de sua relevância para os negócios, como ocorreu no processo da multinacional Syngenta e da Biosev, incorporada pela Raízen.
No caso da Biosev, foi levado em conta que. apesar de a trading não ter funcionários, tinha operação e finalidade, como conseguir empréstimos a juros mais baixos e controlar o risco do câmbio. No da Syngenta, foi considerado que as filiais no Uruguai e Panamá eram hubs regionais para atender com mais agilidade e eficácia demandas locais, dentre outros motivos.
A autuação da Cargill analisada pelo Carf é um desdobramento de um processo administrativo aduaneiro julgado no ano de 2019, em que ela saiu vitoriosa. Naquele ano, foi afastada a tese de que a filial seria uma “interposição fraudulenta”, cancelando cobrança de R$ 10 bilhões (processo nº 16561.720129 /2017-79). Agora, a Fazenda tenta afastar a aplicação do precedente nesse caso, em que são analisadas supostas omissões no lucro da estrutura e substância econômica. Os casos se referem a operações de 2013.
Na visão da PGFN, o grupo estaria se utilizando “indevidamente da legislação do país da filial para deduzir despesas que, para a legislação fiscal brasileira, seriam indedutíveis”. Alega que a filial não teria funcionários, seria uma mera “caixa postal” por conta de as mercadorias não transitarem fisicamente no estabelecimento da Cargill T&C, sendo remetidas diretamente do Brasil ao mercado internacional.
Para os conselheiros, porém, esses argumentos não são relevantes para determinar se existe propósito negocial, pois haveria autorização pela legislação das Ilhas Turcos e Caicos e a do Brasil.
O relator do caso, o conselheiro Lucas Issa Halah, julgou que a trading facilitava o gerenciamento de componentes no preço de commodities e controlava o risco cambial, de crédito e de liquidez, dentre outros objetivos. “A estrutura adotada, portanto, é lícita”, diz ele, no acórdão. “A avaliação da maneira mais adequada do ponto de vista negocial para chegar-se aos fins negociais pretendidos compete tão somente ao administrador da entidade.”
Segundo ele, a legislação brasileira possui parâmetros específicos para tratar estruturas sediadas em paraíso fiscal a fim de evitar a elisão fiscal, como regras de tributação de lucros no exterior, preços de transferência e subcapitalização. Por isso, não se pode “renegar seu tratamento ao casuísmo e subjetividade decorrentes de conceitos abertos como ‘simulação’, de paradoxal compatibilização às próprias definições de jurisdições de tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados” (processo nº 16561.720119/2018-14).
Por meio de nota, a PGFN reforçou que esse caso seria de interposição fraudulenta. “Essas sociedades não possuem estrutura operacional compatível com as atividades desenvolvidas e a fiscalização demonstra que os contratos são negociados, assinados e controlados por pessoas físicas ligadas à empresa no Brasil ou outras empresas do grupo econômico, mas não com a sociedade constituída no paraíso fiscal”, diz.
O órgão alega ainda que “as funções e o propósito negocial são desempenhados pela controladora no Brasil”. “Assim, há fraude”, afirma. Nesses casos, adiciona, “não basta respeitar as normas de preço de transferência, subcapitalização e TBU, as quais são aplicáveis a operações efetivamente existentes, o que não é o caso do processo questionado, em que os contratações com a suposta ‘trading’ não existiram, sendo contratos simulados”. Acrescenta ainda existirem decisões unânimes do Carf favoráveis à União sobre o tema dos anos de 2012, 2024 e 2025.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico