Carf permite crédito de PIS/Cofins no armazenamento e distribuição de combustíveis
12 de Abril de 2024Portaria RFB nº 410, de 12 de abril de 2024
15 de Abril de 2024A Light conseguiu anular no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) duas autuações fiscais que somam aproximadamente R$ 2 bilhões. São as primeiras decisões favoráveis às distribuidoras de energia que autorizam a dedução do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL das chamadas perdas não técnicas – derivadas principalmente dos chamados “gatos”, os furtos decorrentes de ligações clandestinas na rede elétrica. Até então, as companhias perdiam essa discussão.
A 4ª Turma Extraordinária da 1ª Seção aceitou, por unanimidade, recursos apresentados pela Light, cancelando integralmente os autos de infração. Os conselheiros acataram a argumentação de que essas perdas representam um custo inerente à atividade desenvolvida pela concessionária no Rio de Janeiro. Por isso, poderiam ser deduzidas da base dos impostos federais (processos nº 16682.720895/2020-62 e nº 16682.721089/2020-10).
Para a Receita Federal, essas despesas não estariam ligadas à atividade econômica e a dedução só seria possível se cada furto de energia estivesse registrado de forma detalhada e individualizada em boletim de ocorrência policial. O que, segundo os advogados da empresa, seria impossível de se executar no atual cenário do Rio de Janeiro.
O tema é de extrema importância para o setor. Segundo relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as perdas totais de energia na distribuição (técnicas e não técnicas) representaram aproximadamente 14% do mercado consumidor brasileiro em 2021. Significariam mais que o consumo total de energia elétrica das regiões Norte e Centro-Oeste em 2018.
De acordo com parecer apresentado nos processos, de 2017 a 2021, a Light investiu mais de R$ 1,7 bilhão (valores históricos) no combate às perdas não técnicas. O advogado que assessora a Light em um dos processos, destaca que essas perdas não técnicas decorrem substancialmente de furto.
“Infelizmente, no Rio de Janeiro, existem áreas dominadas pelo crime organizado, pelas milícias, pelo tráfico. E nessas regiões, a proporção de gatos chega a 85%, 90%. Ou seja, só 10% dos moradores pagam a conta de energia”, diz. “Então, essas perdas não técnicas são, na atividade econômica das concessionárias, uma despesa extremamente relevante.”
Já o advogado que assessora a Light no outro processo, destaca que a companhia fez, só no ano de 2017, mais de 600 boletins de ocorrência. Porém, acrescenta, “por mais que se empenhe no combate, é impossível eliminar completamente essas perdas”. “A Light, por outro lado, é obrigada a distribuir energia em toda a área de sua concessão no Rio de Janeiro, incluindo áreas dominadas pelo tráfico e pela milícia.”
Até 2021, cerca de 4,4 milhões de habitantes estavam sob controle de algum grupo armado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o que representa aproximadamente 25% da população do Estado, de acordo com o trabalho “Mapa Histórico dos Grupos Armados do Rio de Janeiro”, publicado pelo Instituto Fogo Cruzado e pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF).
As decisões obtidas pela Light são os primeiros precedentes favoráveis obtidos pelo setor de energia. De acordo com o defensor da empresa, são extremamente importantes porque todos os pontos técnicos da defesa foram analisados e amplamente debatidos pelo Carf. “O caso da Light é bastante expressivo porque é o maior valor de perdas por gatos no Brasil. A quantidade de energia furtada por ano é suficiente para abastecer todo o Estado do Espírito Santo”, diz.
Para o advogado, no Rio de Janeiro, qualquer concessionária de energia estaria enfrentando exatamente o mesmo problema por conta da alta incidência de “gatos”. “A posição da Receita Federal afeta de forma direta a viabilidade financeira da concessão. Esse precedente traz ânimo para o setor.”
Renata Yamada, diretora tributária da Light, considera o entendimento adotado pelo Carf de extrema relevância para tratar de forma justa o desequilíbrio econômico gerado pelo furto de energia, um grande desafio do setor elétrico. O prejuízo anual da empresa com os “gatos”, acrescenta, é de cerca R$ 1 bilhão, “em uma das áreas de concessão mais complexas do Brasil”. “Para se ter uma ideia do tamanho do desafio, a cada dez clientes regulares há outros seis que furtam energia.”
Até então, as distribuidoras de energia vinha perdendo a discussão em outros casos analisados no Carf. Há pelo menos três decisões contrárias à dedução desses valores do IRPJ e da CSLL. Todas da 2ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção.
Em 2020, os conselheiros decidiram manter uma autuação fiscal recebida pela Light. No processo, referente aos anos de 2013 e 2014, a companhia alegou que fez boletim de ocorrência. Porém, a fiscalização considerou o documento “vago e genérico” e alegou que a Aneel compensa os furtos na tarifa (processo nº 16682.721141/2018-13).
A turma já havia analisado duas cobranças semelhantes. Uma delas da EDP Espírito Santo Distribuição de Energia (processo nº 15586.720168/2018-14). Manteve cobrança de IRPJ e CSLL e afastou a de PIS e Cofins.
No caso da Light, a fiscalização considerou que as chamadas “perdas não técnicas” deveriam ter sido adicionadas ao resultado para apuração do lucro real e cálculo do IRPJ e CSLL. Pelo Regulamento do Imposto de Renda, elas podem ser deduzidas em casos de furto ou fraude.
O assunto foi objeto de diferentes soluções de consulta da Receita. E em 2017 foi destacado que deve haver queixa-crime para comprovação de furto, o que já era previsto pelo Regulamento do Imposto de Renda.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o tema ainda está sendo discutido e apreciado pelas turmas do Carf, “de modo que é preciso aguardar para ver como a jurisprudência irá se consolidar”. E destaca que, nos acórdãos 1402-004.314 e 1402-004.517, o tribunal decidiu que as empresas precisam cumprir os requisitos previstos na legislação fiscal para poder deduzir, na apuração do IRPJ e da CSLL, as perdas decorrentes do furto de energia.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico