Ilegalidade das taxas de licenciamento ambiental da CETESB
19 de Agosto de 2021Portaria SECEX nº 126, de 30 de setembro de 2021
1 de Outubro de 2021O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, ou simplesmente, IPVA, é um tributo estadual, ou seja, um tributo que, segundo a Constituição Federal da República, no bojo de seu Art. 155, III, somente pode ser instituído e cobrado pelos estados e pelo Distrito Federal. A função do IPVA no ordenamento jurídico é meramente fiscal, ou seja, visa tão somente a “melhoria” na arrecadação aos cofres dos estados.
A configuração do fato gerador do IPVA é simples, bastando a propriedade do veículo. Porém, para que se consolide o fato gerador, é necessário que na propriedade esteja incluído o direito de uso regular do veículo, em conformidade à finalidade para a qual ele foi produzido. Como é o Estado quem controle este “uso regular”, exige-se o instrumento de controle comumente conhecido por Licenciamento do Veículo.
Embora o Licenciamento seja utilizado também como mecanismo de controle do cumprimento da obrigação tributária, verifica-se que ele não é condição imprescindível à configuração do fato gerador, uma vez que no caso de veículos novos, há leis estaduais que determinam que o fato gerador ocorre na aquisição do veículo, cuja finalidade é o uso do veículo pelo adquirente, independentemente de ter sido promovido o Licenciamento no ato da aquisição.
O IPVA classifica-se como imposto de recolhimento anual, ou seja, a cada ano tem um fato gerador novo para configurar a obrigação tributária ao contribuinte.
O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO E A INCONFORMIDADE À CONSTITUIÇÃO
A Lei nº 9.503/1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 230, descreve as infrações cometidas pelo proprietário do veículo automotor, e as respectivas penalidades que lhe forem atribuídas. Mais especificamente no inciso V do mencionado artigo, o CTB dispõe: “Conduzir o veículo que não esteja registrado e devidamente licenciado.”.
Esta infração é considerada pela legislação como gravíssima, tendo como penalidades previstas a multa e a apreensão do veículo, além da remoção do veículo, como sanção administrativa.
Na citada disposição do artigo 230, V do CTB, o legislador cometeu um possível erro, uma vez que a penalidade atribuída tem caráter tributário, tornando incompetente o Governo a realizar a cobrança de tributos por meio de confisco de bem na esfera administrativa, de modo a violar princípios tributários e certas garantias constitucionais fundamentais do cidadão.
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
Todo cidadão tem o direito de exercer o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios que lhe forem inerentes. No processo tributário, estas garantias fundamentais consistem na possibilidade de o devedor defender-se das alegações feitas pelo Fisco, bem como de produzir provas que ache pertinentes para a realização da defesa.
No caso da apreensão do veículo pelo inadimplemento de IPVA, nega-se ao contribuinte o exercício destes direitos, uma vez que ao apreender diretamente o veículo, o Fisco impede que o caso seja levado a juízo para discussão acerca do débito. Desta forma, a penalidade da apreensão do veículo é exercida pelo Estado de forma arbitrária e em sentido contrário aos ditames constitucionais.
DEVIDO PROCESSO LEGAL
A Constituição Federal da República garante aos cidadãos que ninguém será privado de seus bens sem que antes seja instaurado um devido processo legal para apuração dos fatos. Todavia, a apreensão direta do veículo em virtude do IPVA inadimplente viola tal determinação constitucional, pois o contribuinte não tem a chance de defender-se da acusação do Fisco. Ou seja, o contribuinte não pode obter a prestação jurisdicional, pois é impedido de ajuizar uma Execução Fiscal, já que o veículo é apreendido de forma coercitiva.
Desta forma, existindo uma ação cabível para cobrança de tributos, é inadmissível e inconstitucional que o Estado se apodere dos bens dos contribuintes sem antes perpassar por esta ação, fazendo com que o confisco do bem se dê coercitivamente.
NÃO-CONFISCO
Este que é um dos princípios mais importantes e conhecidos do Direito Tributário é também garantido pela Constituição Federal, de modo que o Estado não pode confiscar os bens do cidadão apenas com a exigência de pagamento dos tributos.
O Não-Confisco tem o intuito de proteger a renda e o patrimônio dos contribuintes, pois, agindo como limitação ao poder de tributar, impede que a cobrança dos tributos atinja parcela significativa da renda e do patrimônio dos cidadãos, pois, caso contrário, feriria sua dignidade.
Esclarecido o conceito e os objetivos do princípio do Não-Confisco, é possível perceber que este princípio é violado pelo Estado quando da apreensão do veículo por inadimplemento de IPVA, uma vez que IPVA é um tributo e que o veículo está sendo apropriado pelo Estado para exigir o seu pagamento.
Tal prática abusiva ocorre devido ao fato do Estado gozar do Poder de Polícia, e dele abusar a ponto de o sujeito ativo da obrigação tributária tomar posse, integralmente, do bem do contribuinte.
O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SOBRE A NORMA
O Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, afirmou ser inaceitável que o Art. 230, V do CTB ainda seja aplicado, em virtude desta aplicação violar diversos princípios, entre os quais estão os elencados anteriormente.
Além do STF, o Superior Tribunal de Justiça também já rechaçou a referida norma, de modo a posicionar-se pela irregularidade do dispositivo legal, pois a Constituição Federal e todos os princípios nela presentes devem ser observados por quaisquer outras normas inferiores, de modo que qualquer ferimento à disposição da norma maior já é motivo para a declaração da inconstitucionalidade de determinado dispositivo.
Não obstante restar evidenciada a inconstitucionalidade da penalidade prevista no CTB, a prática desta ação já entrou na rotina dos entes tributantes do IPVA, uma vez que o Estado é ineficiente quanto à fiscalização da Administração Pública e o Legislativo é omisso quanto à edição de norma definitiva com relação ao tema.
ANALOGIA
O STF, por meio da Súmula 323, posicionou-se a respeito da apreensão de mercadorias por não pagamento de ICMS, de modo a determinar que esta prática é inadmissível, por tratar-se de meio coercitivo para a obtenção de pagamento de tributos.
A ideia da Súmula 323 é completamente aplicável ao Art. 230, V do CTB, ainda que o teor seja diferente. Sendo assim, é possível utilizar a analogia para a aplicação da Súmula e, incontestavelmente, para a configuração da inconstitucionalidade da apreensão de veículos por inadimplemento de IPVA.
BENS IMPORTADOS E SUAS RETENÇÕES POR NÃO PAGAMENTO DE TRIBUTOS
O STF decidiu que é possível condicionar o desembaraço aduaneiro de bens importados ao pagamento de diferença fiscal arbitrada por autoridade fiscal. Não obstante o entendimento de tribunais inferiores basear-se na Súmula 323 do próprio STF, a qual proíbe a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para o pagamento de tributos, os ministros da Corte Suprema entendem que não há coação indireta com o objetivo de quitar a obrigação tributária.
A tese fixada pelo plenário do STF foi a de que é constitucional o vínculo entre o despacho aduaneiro e o recolhimento de diferença tributária apurada mediante arbitramento de autoridade fiscal.
Neste caso, percebe-se a mesma inobservância aos princípios tributários, uma vez que a mercadoria importada está sendo retida pelo ente tributante, sem possibilitar que o contribuinte ajuíze um devido processo legal para apuração da legalidade da diferença fiscal arbitrada pelo Estado.
Há aqui uma violação clara ao princípio do Não-Confisco, nos mesmos moldes verificados na apreensão do veículo em razão de débitos de IPVA.
A União Federal, por meio de seus representantes, promove sua autoridade com imperatividade quando de sua apropriação aos bens dos contribuintes, apoiando-se na confusão presente em seus procedimentos em conjunto à inobservância dos tribunais quanto à legislação tributária vigente no país.
HÁ LUZ NO FIM DO TÚNEL?
Ante ao exposto, não restam dúvidas quanto à violação dos princípios tributários quando o assunto é o Art. 230, V do CTB. É inequívoco que os contribuintes estão à mercê dos entes tributantes, e isso ocorre não apenas com o IPVA, mas com todos os demais tributos (ISSQN, ICMS, ITBI, etc.).
O Estado, aqui podendo ser entendido como o “ente tributante” age com inobservância às diligências para instituir e cobrar os tributos que arrecada. Prova inconteste disso são as diversas ações ajuizadas nos tribunais superiores sobre ICMS, ISS e até mesmo sobre o próprio IPVA.
O ajuizamento de ações visando restituição de tributos pagos a maior por tanto tempo como têm ocorrido evidenciam a despreocupação do Estado com a legislação, pois os entes tributantes têm a sensação de que não importa a infração que cometerem, não serão devidamente responsabilizados.
É importante que a Fazenda Pública seja responsabilizada por ações inconstitucionais e imorais quando da instituição, regulação e cobrança de tributos, em qualquer de suas espécies, pois sem tal responsabilização, o sistema tributário brasileiro nunca perderá o status de “guerra fiscal” evidenciado atualmente e, posteriormente, com tantas ações judiciais envolvendo recolhimento a maior de tributos por ineficácia do Estado, esse sistema tende a colapsar, tornando ineficiente e obsoleta a atual legislação responsável pela sustentação do Sistema Tributário Nacional.
Por Gabriel Cauan Corrêa – 16 de setembro de 2021
Equipe Marcelo Morais Advogados