Decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) derrubaram cobranças milionárias de IPTU de incorporadoras imobiliárias e da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ). As decisões impedem a Prefeitura de São Paulo de exigir o tributo em dobro – primeiro dos terrenos adquiridos e, depois, quando a obra é finalizada, da área total, de forma retroativa e com correção monetária.
Há também situação inversa, como o relativo à Previ, que seria a maior restituição do imposto em curso no executivo municipal, segundo informou um procurador do município no julgamento. Nesse caso, a decisão do TJSP obriga a devolução de R$ 43 milhões de IPTU.
O fundo de pensão comprou um imóvel, em 2011, o Centro Empresarial Berrini, no bairro do Brooklin, em São Paulo, e depois pediu a individualização dele em 33 imóveis. Entre os anos de 2013 e 2018, o IPTU foi cobrado e pago sobre uma única matrícula, chamada de SQL. Porém, após a Previ ter feito o pedido de desdobro da inscrição, a prefeitura fez o lançamento do imposto sobre os imóveis individuais dos mesmos cinco anos, como se nada tivesse sido pago antes.
A Secretaria Municipal da Fazenda alega que caberia revisão dos lançamentos tributários no prazo decadencial de cinco anos e que as empresas não informaram as mudanças das estruturas prediais na via adequada, indicando ainda que é desvinculada da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.
Segundo advogados, são recorrentes os erros da prefeitura neste tema. As decisões se unem a uma recente jurisprudência em favor dos contribuintes, evitando desembolso de caixa adicional pelas incorporadoras e aumento do preço do condomínio. Determinam ou a anulação da cobrança ou a restituição ou compensação de valores exigidos de forma indevida.
A Previ diz que a devolução dos valores foi indeferida na esfera administrativa, pois a Fazenda municipal teria vinculado a restituição ao trânsito em julgado da ação anulatória. E que “a recusa à restituição configura enriquecimento ilícito, cobrança em duplicidade do tributo, confisco, além de afronta ao princípio da legalidade e à vedação de comportamento contraditório”.
O relator do caso da Previ, o desembargador João Alberto Pezarini, da 14ª Câmara de Direito Público do TJSP, entendeu que inexiste vinculação entre as demandas. “Ao condicionar o levantamento ao trânsito em julgado da ação anulatória, não observou o município a proibição de comportamento contraditório das partes, o que afronta a segurança jurídica e os princípios da legalidade, boa-fé do contribuinte e do dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes” (processo nº 1072779-68.2023.8.26.0053).
Em outras duas ações, a cobrança duplicada e retroativa ocorreu quando terrenos diversos foram unificados com a finalização da obra. O valor do IPTU, com o prédio finalizado e construído, é cerca de 50% maior.
Em um deles, o relator, Botto Muscari, da 18ª Câmara de Direito Público, reverteu sentença desfavorável à Capital Administradora de Bens. Nos autos, a incorporadora alega violação aos artigos 142, 146 e 149 do Código Tributário Nacional (CTN) e que a prefeitura não permitiu a compensação tributária, prevista no artigo 5º da Lei nº 17.092/2019.
Na decisão, Muscari lembra que a revisão das cobranças tributárias só pode ocorrer quando há “ situação fática até então desconhecida”, como prevê o CTN e decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em repetitivo (REsp 1130545). E que não era este o caso, pois a própria gestão municipal expediu alvará permitindo a construção de nova edificação.
“Não é razoável fazer restituição de cifra já recolhida aos cofres públicos, cancelar lançamentos prístinos e constituir novamente o crédito com valor integral do tributo, inclusive com atualização monetária, como se o imposto jamais fora quitado”, afirma o relator (processo nº 1052877-32.2023.8.26.0053).
Na outra ação, uma sentença favorável à Vergui Empreendimentos Imobiliários foi mantida pela 14ª Câmara de Direito Público. A Sefaz defendia descumprimento de obrigação acessória porque o contribuinte não teria feito “a declaração de inscrição cadastral dentro de 60 dias da abertura da matrícula unificada”. A cobrança envolvia o IPTU de 2020 a 2022, que tinha sido pago de forma individualizada.
O relator, Rezende Silveira, disse que a Declaração Tributária de Conclusão de Obra (DTCO) – exigida e entregue pela Vergui quando a obra foi finalizada – “é equivalente ao cumprimento da obrigação acessória de declaração de atualização cadastral do imóvel”. “Portanto, não há justificativa na cobrança do imposto de forma individualizada”, diz (processo nº 1070632-69.2023.8.26.0053).
O advogado que atuou nos três casos diz que tentou fazer a compensação tributária no caso da Previ, mas foi negada pela prefeitura. “Ela impôs quase que um empréstimo compulsório, pegou o dinheiro e lançou de novo a cobrança do imposto” afirma ele, acrescentando inexistir base legal para vincular a restituição ao processo. “É completamente ilegal e desarrazoado.”
Segundo ele, as exigências indevidas ocorrem em outras cidades, como Guarulhos (SP). “Mas em São Paulo a briga é maior, porque é uma cidade com maior disputa de terrenos”, diz. Na visão dele, a atitude da prefeitura tem “caráter arrecadatório”, mas o tribunal reconhece o direito das incorporadoras, o que evita aumento no valor do condomínio.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico