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28 de Maio de 2024Duas turmas do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiram recentemente que jornada de trabalho extenuante gera automaticamente o direito ao chamado dano existencial. O entendimento contraria julgamento da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) – responsável por uniformizar a jurisprudência da Corte.
Em novembro de 2020, a SDI-1 definiu que é preciso apresentar provas de que a jornada excessiva por longo período privou o trabalhador do direito ao lazer, à instrução, à convivência familiar. Para os ministros, “não se pode admitir que, comprovada a prestação de horas extraordinárias, extraia-se daí automaticamente a consequência de que as relações sociais do trabalhador foram rompidas ou que seu projeto de vida foi suprimido do seu horizonte” (E-RR-402-61.2014.5.15.0030).
Uma das decisões que contraria esse entendimento é da 3ª Turma. O caso envolve a Eletrosul, que foi condenada, por unanimidade, a pagar R$ 50 mil de indenização a um eletricitário que cumpria jornada diária de 12 horas em regime de turnos ininterruptos de revezamento.
Em seu voto, o relator, ministro Alberto Bastos Balazeiro, reconhece a existência do precedente da SDI-1. Porém, afirma que o caso julgado se revela como “distinguishing” (diferente) em relação ao entendimento firmado (RR- 20813-45.2016.5.04.0812).
A decisão foi dada em recurso do trabalhador contra acórdão do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (TRT-RS), que cancelou a indenização arbitrada em sentença no valor de R$ 50 mil. Para o TRT-RS, “a mera existência de sobrejornada não configura dano existencial”. No caso, os desembargadores entenderam que o trabalhador não comprovou possuir projetos pessoais adiados ou prejudicados em razão de seu trabalho.
No entendimento de Balazeiro, porém, só o fato de existir jornada excessiva já seria o suficiente para configurar o dano. Segundo o ministro, jornada extenuante “impede, de forma inequívoca, que o empregado supra suas necessidades vitais básicas e insira-se no ambiente familiar e social” e, por isso, “tem-se a efetiva configuração do ato ilícito, ensejador de reparação, e não somente mera presunção de dano existencial”.
De acordo com o ministro, essa situação exige reprovação do Estado, “na medida em que jornadas extenuantes, se, por um lado, comprometem a dignidade do trabalhador, por outro implicam em incremento significativo no número de acidentes de trabalho, repercutindo na segurança de toda a sociedade”.
Balazeiro lembra, em seu voto, que a Convenção 1 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1919, já previa a limitação da jornada a oito horas diárias e 48 horas semanais para os trabalhadores na indústria. E que o artigo 59 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que as horas extras não podem exceder duas horas diárias. “Tais limitações decorrem da inequívoca necessidade do indivíduo de inserção no seio familiar, saúde, segurança, higiene, repouso e lazer.”
No voto, ainda cita julgamentos recentes. Um deles, de outubro, da 7ª Turma. Os ministros foram unânimes ao manter o direito a indenização a um motorista de caminhão por jornada extenuante. O relator do caso, o relator, ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, também destacou que, apesar do julgamento da SDI-1, o caso contém particularidade que autoriza a manutenção do acórdão regional.
“Não se trata de um simples elastecimento de jornada. A Corte de origem registrou trabalho por sete dias consecutivos em diversas oportunidades, chegando a ocorrer situação em que houve trabalho por 13 dias consecutivos”, diz o relator.
Segundo sua decisão “havia não só realização de horas extras de forma habitual e do intervalo intrajornada, como supressão usual dos repousos semanais remunerados”. Ainda destaca que o regional registra claramente que essa situação “acarretou prejuízos a sua integridade [do autor] física e mental” (Ag-AIRR-1600-93.2017.5.12.0004).
Essas novas decisões, de acordo com a advogada que assessora o eletricitário no processo contra a Eletrosul, trazem um novo olhar para o tema. No caso desses trabalhadores com jornadas estendidas, diz, o dano é presumido. “Nosso cliente chegou a trabalhar 12 horas diárias, num ritmo que de fato não se poderia dar atenção aos outros aspectos da vida dele. Isso atrapalha a vida familiar, o descanso e sua saúde”, afirma.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico