Uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) impediu que imóvel de sócio, fruto de herança, entre na arrecadação de bens para pagamento das dívidas de empresa falida. A 3ª Câmara de Direito Privado entendeu que a desconsideração da personalidade jurídica para o alcance do patrimônio do sócio não deve atingir bens sem relação com o que causou o pedido para redirecionamento.
O precedente é relevante por tratar de um debate recente, com poucos precedentes disponíveis e vindo na esteira da alteração do conceito de extensão dos efeitos da falência pela nova Lei de Recuperação Judicial e Falência (nº 14.112/2020). A mudança restringiu a extensão da falência apenas aos casos de empresas de responsabilidade ilimitada.
Segundo a advogada do caso, a extensão da falência aos sócios operava sob uma lógica parecida com a da responsabilidade solidária, fazendo pouco sentido distinguir a natureza ou origem dos bens arrecadados. Já na desconsideração da personalidade jurídica deve ser apontada a associação entre o bem arrecadado e um ato de desvio de recursos ou confusão patrimonial.
No caso concreto, o julgamento tratou de um bem herdado 11 anos após a falência. De acordo com a advogada, o debate envolveu estabelecer uma relação de causa e efeito entre o ato que causou a desconsideração e benefício que teria sido gerado para o sócio.
Ao votar, o relator, desembargador João Pazine Neto, acolheu o recurso para retirar da arrecadação de bens o imóvel do sócio, fruto de herança, mesmo havendo desconsideração da personalidade jurídica da empresa para atingir o proprietário (agravo de instrumento nº 2136485-70.2023.8.26.0000).
“Os bens que comprovadamente a agravante adquiriu por herança de seu genitor, que nenhuma relação teria com a falida, devem ficar fora da arrecadação determinada na presente ação”, diz o desembargador.
De acordo com o voto de Pazine, os bens indicados não são fruto dos atos que ensejaram a desconsideração da personalidade jurídica e não foram obtidos em razão da suposta fraude em desfavor dos credores, e certamente não se originaram do suposto desvio de bens. Para o relator, cabia ao síndico da falência ou aos interessados buscar bens existentes à época da desconsideração para fim de responderem pela dívida da empresa falida.
O precedente é importante também, afirma a advogada, porque ao diferenciar a extensão de falência da desconsideração da personalidade jurídica, o TJSP reforça a segurança jurídica no mercado. “Assim, evita cobranças indiscriminadas em processos falimentares, que acabam por afastar investidores e prejudicar o ambiente de negócios”, diz.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico