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3 de Maio de 2022Os julgadores da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, por unanimidade, negaram a pretensão de exclusão da condenação por litigância de má-fé, assim como de concessão dos benefícios da justiça gratuita a um trabalhador que ajuizou ação a fim de obter vantagem indevida. Diante disso, ele teve o agravo de instrumento desprovido, restando mantido o despacho denegatório do seu recurso ordinário, por deserto, ante a ausência do recolhimento das custas processuais. A decisão é de relatoria da desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, cujo entendimento foi acolhido pelos demais julgadores.
“Em que pese a autonomia dos institutos da multa por litigância de má-fé e os benefícios da justiça gratuita, no caso, foi verificado que o recorrente se utilizou do processo para obter vantagem indevida, omitindo ou alterando a verdade dos fatos. Assim, não há que se falar em concessão dos benefícios da justiça gratuita àquele que se utiliza do Judiciário para obtenção de vantagem indevida e afronta ao princípio da boa-fé. Não concedido o benefício da justiça gratuita e não recolhidas as custas processuais, há que se considerar deserto o recurso”, destacou a relatora na decisão.
Entenda o caso
A empregadora e o ex-empregado procuraram a Justiça do Trabalho, pretendendo a homologação de acordo extrajudicial, no valor de R$ 120 mil, decorrente de suposta relação de emprego. Mas o juízo de primeiro grau constatou que os envolvidos se utilizaram do processo para conseguir objetivo ilegal, ao analisar outros 24 processos ajuizados na Vara do Trabalho de origem, contra a mesma empregadora, e também ao constatar que o ex-empregado era filho dela, condição omitida pelos dois. Na sentença, ambos foram considerados litigantes de má-fé, sendo-lhes aplicada a multa de 5% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 793-B, II, III e V, combinado com o artigo 793-C, ambos da CLT, reversível aos cofres da União.
O juízo de primeiro grau ainda indeferiu o pedido de concessão da justiça gratuita, “em razão do abuso de direito praticado”, consubstanciado no uso do processo judicial para auferir vantagem indevida. O processo foi extinto, sem resolução de mérito, nos termos dos artigos 142 e 485, VI e X, do CPC.
O filho da suposta empregadora apresentou recurso ordinário, mas o apelo não foi recebido pelo juiz de primeiro grau, por falta de recolhimento das custas processuais, com base no artigo 789, parágrafo 1º da CLT. Ele então interpôs agravo de instrumento ao TRT-MG, cujo provimento foi negado pelos julgadores da Primeira Turma, que mantiveram o despacho agravado, adotando, no aspecto, o entendimento da relatora.
Os indícios da fraude
O juiz de primeiro grau ressaltou, na sentença, que a empregadora é conhecida do juízo da Vara do Trabalho de Caxambu-MG, por ter figurado, segundo consulta realizada na época, em 24 processos naquele juízo, sendo que 17 ainda estavam em tramitação. O juiz também observou que ela sempre apresentou defesas genéricas e que, em cerca de oito processos, não tinha sequer apresentado defesa.
Constatou-se ainda que, em alguns dos processos, fez propostas de acordo em valores bem inferiores aos pretendidos pelos trabalhadores.
Mas, no caso, sem sequer ter apresentado defesa, anexou print de conversa por aplicativo de mensagem, com o objetivo de demonstrar a “concordância” do empregado, seu filho, com a proposta de R$ 120 mil em dez parcelas de R$ 12 mil. Também chamou a atenção do juízo o fato de a empregadora não ter alegado prescrição e nem impugnado alguns dos valores atribuídos aos pedidos, que foram lançados incorretamente.
“Ora, diante de todos os fatos relatados, os quais parecem ter sido propositalmente ocultados pelos envolvidos, me parece inegável o potencial lesivo da tentativa de homologação de acordo apresentada, podendo gerar risco ao crédito de terceiros, notadamente aos demais ex-empregados, que ainda não lograram êxito em perceber o que lhes é devido”, alertou o juiz de primeiro grau, cuja decisão foi confirmada pelos julgadores da Turma revisora.
De acordo com o entendimento adotado, ficou evidente a intenção de fazer uso do processo judicial para auferir vantagem indevida, o que atrai a aplicação ao caso da regra preconizada no artigo 142 do CPC.
Na sentença, foi determinada a extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos dos artigos 142 e 485, VI e X, do CPC. Empregado e empregadora foram considerados litigantes de má-fé e foi aplicada a eles a multa de 5% sobre o valor da causa, nos termos do artigo 793-B, II, III e V, combinado com o artigo 793-C, ambos da CLT, reversível aos cofres da União.
O elevado valor do acordo extrajudicial entre mãe e filho e o risco para outros trabalhadores
Em seu voto, acolhido pelos demais julgadores, Maria Cecília Alves Pinto destacou que o valor do crédito (de R$ 120 mil), objeto do acordo extrajudicial celebrado e que seria decorrente de relação de emprego entre mãe e filho, é bem superior aos valores propostos pela empregadora em outras ações ajuizadas anteriormente. Isso fez cair por terra as alegações do empregado de que estaria “sendo prejudicado pelo simples fato de ser filho da empregadora”. A relatora lembrou, inclusive, que, ao negar a homologação do acordo extrajudicial, o juiz de primeiro grau alertou que isso poderia trazer risco à satisfação do crédito de outros trabalhadores.
Segundo pontuou a desembargadora, não há obrigatoriedade de homologação dos acordos extrajudiciais celebrados entre empregados e empregadores pela Justiça do Trabalho, quando se verifica a desobediência a quaisquer dos requisitos previstos nos artigos 855-B e seguintes da CLT, e nos artigos 840 a 850 do Código Civil. Nesse sentido, a Súmula 418 do TST, que assim dispõe: “A homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança”.
Conforme observou a relatora, o recorrente nem mesmo contestou a fundamentação constante da sentença de que, em outros processos, a empregadora fez “propostas de acordo em valores bem inferiores aos pretendidos pelos trabalhadores”. Para a desembargadora, a alteração do modus operandi e da postura da empregadora nessa ação em comparação com as outras 17 ações em curso, relatadas pelo juízo de origem, amparam a conclusão de que as partes fizeram uso do processo judicial para auferir vantagem indevida.
Na consideração da desembargadora, as circunstâncias verificadas amparam a conclusão do juiz de primeiro grau no sentido de que o processo está sendo utilizado, não para que o recorrente receba as parcelas que lhe são devidas, mas para que os envolvidos se aproveitem da ação, realizando acordo cujo valor é superior a todas as outras propostas feitas pela empregadora (comparativamente ao pedido dos outros empregados), de modo a esvaziar eventual patrimônio e colocar em risco a satisfação do crédito dos trabalhadores que já possuem ação ajuizada.
De acordo com a relatora, é evidente que os empregados que buscam a satisfação do seu crédito por meio das ações de execução, valendo-se dos meios expropriatórios próprios (pesquisa patrimonial, expedição de ofício aos órgãos pertinentes, utilização de ferramentas de bloqueio de bens, etc.) e enfrentando a resistência da devedora no pagamento dos valores a que foi condenada, estariam em prejuízo se o patrimônio da empregadora fosse transferido ao filho espontaneamente por meio dessa ação. Isso porque, ao homologar acordo extrajudicial, não há avaliação de cartões de ponto, folhas de pagamento e demais documentos próprios do contrato de trabalho, os quais permitem a apuração dos créditos trabalhistas eventualmente devidos.
“Assim, constatado pelo juízo de origem o potencial lesivo do acordo extrajudicial, podendo gerar risco ao crédito de terceiros, notadamente aos demais ex-empregados, que ainda não lograram êxito em perceber o que lhes é devido, e mais, havendo indícios de que as partes pretendem fazer uso do processo judicial para auferir vantagem indevida, o que atrai a aplicação da regra preconizada no art. 142 do CPC, corroboro da decisão que extinguiu o processo (artigo 485, VI e X do CPC) e aplicou às partes a multa por litigância de má-fé”, concluiu.
Litigância de má-fé X justiça gratuita
Segundo pontuou a desembargadora, embora ela entenda pela autonomia dos institutos da multa por litigância de má-fé e dos benefícios da justiça gratuita, isso não prevalece quando o litigante de má-fé praticou ato em total desarmonia com o princípio da boa-fé processual, a qual tem previsão expressa no artigo 5º do Código de Processo Civil, tendo em vista o “brocado jurídico” de que “ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza”, concluiu.
Conforme registrado pela relatora, há previsão no ordenamento jurídico brasileiro de pagamento de custas judiciais nas situações de litigância de má-fé, como se observa do artigo 5º, inciso LXXIII, da CF/88 (Ação Popular), dos artigos 54 e 55 da Lei 9.099/95 (Juizados Especiais) e do artigo 87, parágrafo único, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), sendo tais dispositivos aplicáveis analogicamente ao caso.
Por essas razões, foram rejeitados os pedidos do ex-empregado de exclusão da condenação por litigância de má-fé e de deferimento dos benefícios da justiça gratuita, deixando-se de conhecer do recurso ordinário, por deserto, já que não recolhidas as custas processuais.
Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região