O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que um banco não pode ser responsabilizado pelo “golpe do motoboy”, se não houver prova de vazamento de informações, mesmo em caso envolvendo consumidora que alega estar em situação de hipervulnerabilidade. A decisão, por maioria de votos, é da 3ª Turma.
No “golpe do motoboy”, os estelionatários entram em contato com o cliente se passando pela instituição financeira e informam que o seu cartão foi clonado e que um motoboy irá buscá-lo pessoalmente. Eles solicitam ainda que, antes da entrega, o cliente digite a sua senha no telefone.
No caso concreto, a consumidora, que estava fazendo quimioterapia para tratamento de um câncer, foi abordada por estelionatários que conseguiram convencê-la a instalar um programa que permitiu acesso remoto ao seu computador. Ela também informou seus dados bancários e senhas aos golpistas, o que permitiu que fizessem transferências.
Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) considerou que o banco não poderia ser responsabilizado por compras com senha, “quando as informações pessoais e o cartão foram entregues voluntariamente pelo consumidor ao golpista, ainda que tenha sido vítima de estelionato”.
O julgamento no STJ começou em dezembro e foi finalizado ontem. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, ficou vencida. Considerou que o banco tem responsabilidade objetiva. Segundo ela, a previsão está contida na Súmula 479 do STJ. O texto diz que “instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. A relatora foi acompanhada por Humberto Martins.
Ricardo Villas Bôas Cueva abriu a divergência, sustentando que não houve falha na prestação do serviço por parte do banco. “O motoboy não tinha nenhum dado cadastral, não houve nenhum vazamento. Valendo-se da boa-fé da recorrente, ele colheu a senha e aplicou o golpe”, disse.
Cueva sustentou que os responsáveis pelo golpe se valeram de astúcia, uma vez que só tinham dados cadastrais da vítima. “Tais dados não são exclusivos da instituição financeira, podendo ser encontrados em diversos bancos de dados virtuais, razão pela qual a atribuição de seu vazamento ao banco extrapola os limites da contratação havida entre as partes”, afirmou ele, destacando que a própria cliente instalou um programa que permitiu o acesso remoto dos golpistas ao seu computador.
O ministro também considerou que as dificuldades decorrentes do tratamento de câncer não mitigam a responsabilidade da consumidora. “A imputação de responsabilidade diferida aplicada à pessoa idosa decorre do sistema protetivo legalmente previsto do Estatuto do Idoso e, portanto, não é aplicável a outros no exercício pleno de sua capacidade civil.”. Os ministros Moura Ribeiro e Antônio Carlos Ferreira acompanharam Cueva, formando a maioria vencedora.
Há outros precedentes nas turmas de direito privado para livrar o banco de responsabilização quando é o próprio consumidor quem entrega a senha para os golpistas. Foi assim que decidiu a 4ª Turma, em fevereiro, ao manter decisão que não viu falha na prestação de serviço em “operações realizadas conforme procedimento regular, com o cartão e senha fornecidos a terceiro pela própria titular da conta, antes de ter sido comunicado do estelionato” (AREsp 2.756.405).
Mas esse entendimento pode ser afastado e o banco responsabilizado quando há movimentações atípicas envolvendo casos de consumidores hipervulneráveis. Um precedente da 3ª Turma levou em consideração que o cliente era idoso. “Verifica-se que o consumidor é pessoa idosa (75 anos – imigrante digital), razão pela qual a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável”, diz o acórdão (REsp 2.052.228).
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico