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22 de Julho de 2025Uma decisão da 22ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) anulou a chamada cláusula “chargeback”, que permite o estorno de compras indevidas em cartões de crédito. Com isso, obrigou a PagSeguro, da PagBank, a ressarcir a Ticketmaster em R$ 624 mil – cerca de R$ 950 mil em valores atualizados. O montante foi retido pela instituição financeira após a contestação de compras, obrigando a empresa de vendas de ingressos a arcar com o prejuízo.
A cláusula de chargeback serve principalmente para proteger o consumidor contra operações fraudulentas, mas também pode ser acionada quando há atraso na entrega da mercadoria ou o produto vier danificado. O titular do cartão contesta a compra com a administradora, que verifica se a transação é irregular. O consumidor recebe o estorno e a instituição repassa o custo para o lojista ou prestador de serviço – nesse caso, a Ticketmaster.
Nesse processo, porém, a Justiça entendeu que a responsabilidade é da intermediadora de pagamento – responsável por fazer a conexão entre a loja e o consumidor, por meio de “maquininha” ou plataforma on-line. Para o relator, o desembargador Roberto Mac Cracken, a previsão contratual é abusiva e nula “uma vez que resultaria na responsabilidade exclusiva do vendedor pelas ações decorrentes de seus compradores, no que tange à suspeita de fraude na utilização de cartão de crédito”.
A cláusula, afirma Mac Cracken, é “puramente potestativa”, isto é, depende apenas de uma das partes para que a negociação seja feita, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, conforme artigo 122 do Código Civil. Avalia ainda que é uma situação de autotutela, pois há a “retenção de valores que deveriam ser repassados à parte adversa, sem o devido processo legal”.
Outras decisões já entenderam o chargeback como abusivo, mas não com esses fundamentos – caracterizando-a como “puramente potestativa”. Segundo advogados, o acórdão destoa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto. No entendimento mais recente, de fevereiro, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva estabeleceu que “é abusiva a cláusula que imputa ao lojista, em toda e qualquer circunstância, a responsabilidade exclusiva por contestações”. Mas determinou que ele deve responder se há falta de cautela diante de transações visivelmente fraudulentas.
No caso, a responsabilidade para o lojista foi mantida, pois a empresa entregou a mercadoria para uma pessoa distinta da que constava no cadastro da loja. Ela também não era a titular do cartão, o que “contribuiu decisivamente para a perpetração da fraude” (REsp 2.180.780).
Em outra ação, cuja relatora foi a ministra Nancy Andrighi, o colegiado entendeu que “a responsabilização exclusiva do lojista só pode ocorrer se esse descumprir as previsões contratuais”. Disseram que a repartição de riscos do negócio é possível, desde que respeitada a boa-fé contratual. Também é preciso garantir o contraditório nessas situações. Nesse caso, a Stone perdeu o recurso (REsp 2.151.735).
No processo do TJSP, a Ticketmaster alegou que a PagSeguro “tem agido de forma contraditória e vem violando as regras e condições gerais para o uso dos seus serviços”. Pediu, além do ressarcimento dos valores retidos, danos morais em R$ 60 mil – a indenização não foi concedida. Já a instituição de pagamento diz não ser responsável pelas contestações dos consumidores.
O juiz Baiardo de Brito Pereira Junior, da 14ª Vara Cível, deu ganho de causa à Ticketmaster, mas não chegou a anular a cláusula. “Cabe sempre a ré, ao aplicá-la, comprovar documentalmente a legitimidade da medida adotada, com exibição de prova documental da contestação da operação e do pagamento perante os outros participantes do arranjo de pagamento”, diz.
Na segunda instância, o desembargador confirmou o entendimento e declarou a nulidade do chargeback. Na visão de Mac Cracken, é responsabilidade da instituição de pagamento “a conferência da segurança das transações realizadas por meio do produto que oferece, considerando ser ela a detentora das informações hábeis à apuração de eventual fraude”. Ele também levou em conta que a PagSeguro não apresentou provas (processo nº 1093817-29.2022.8.26.0100)
O advogado da Ticketmaster na ação defende que o chargeback é uma previsão colocada de maneira unilateral no contrato. “É um contrato feito por eles e, dado o poderio econômico da outra parte, por mais que não seja um contrato por adesão, ou você assina ou não fecha negócio”, afirma ele, acrescentando que só a instituição de pagamento tinha acesso às informações sobre o motivo das contestações.
Para ele, é um dispositivo que tem sido usado de forma ilegal. “A retenção desses valores é excepcional porque a regra é a PagSeguro receber e repassar os valores para nós. Só podem fazer o estorno quando existe uma situação de fraude, pagamento em duplicidade ou desistência. Só que eles não conseguiram provar isso no processo”, diz.
Segundo o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rafael Bianchini, também auditor no Banco Central, as decisões que declaram a nulidade da cláusula são minoria. “Os tribunais veem que está no risco do negócio das credenciadoras e instituições de pagamento, mas elas não podem estipular que não têm responsabilidade alguma sobre as fraudes. Alguma responsabilidade tem que ter.”
Se nesses processos, acrescenta, as empresas provarem a “culpa” do lojista ou tomador de serviço, são eximidas da responsabilidade. “Mas o acórdão dá impressão que a cláusula é vedada e não é verdade. É amplamente aceita pelos tribunais, mas tem que olhar o conjunto do contrato”, diz ele, citando decisão do TJSP em que o custo com o chargeback foi dividido entre a instituição de pagamento e o tomador de serviço (processo nº 1012853-46.2018.8.26.0405).
Para o advogado da PagSeguro, o chargeback é “um elemento essencial para o funcionamento do arranjo de pagamentos”. “Afastar sua aplicação acaba por prejudicar o consumidor final, que passa a ter que ingressar em juízo para invalidar uma compra fraudulenta ou na qual não recebe o produto, ao invés de solicitar o estorno ao emissor do cartão”, afirma ele, acrescentando ter “confiança” que o STJ vai validá-la.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico






