Solução de Consulta nº 4.011 – SRRF04/DISIT, de 12 de agosto de 2022
15 de Agosto de 2022Supremo invalida súmula do TST que prevê pagamento em dobro por atraso na remuneração de férias
15 de Agosto de 2022A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou a competência da Justiça do Trabalho para julgar processo no qual se discute a existência ou não de relação de emprego entre uma empresa franqueadora e a responsável técnica da franqueada. O conflito de competência analisado pelo colegiado surgiu porque o contrato de franquia, no caso, tem cláusula que adotou a arbitragem como forma de solução de litígios (cláusula compromissória).
Firmado em setembro de 2020, o contrato de franquia foi rescindido em março de 2021. A franqueadora iniciou procedimento arbitral para que a franqueada fosse reconhecida como culpada pela rescisão e condenada ao pagamento de multa contratual.
Por sua vez, a responsável técnica da franqueada ajuizou reclamação trabalhista, pedindo o reconhecimento de vínculo empregatício com a franqueadora de agosto de 2006 a maio de 2021, alegando que o contrato de franquia não passava de uma tentativa de fraude para afastar a aplicação da legislação trabalhista.
Ao mesmo tempo em que o juízo arbitral reconheceu sua competência para o procedimento instaurado, o juízo trabalhista concedeu liminar para suspender a tramitação do procedimento arbitral, o que levou a franqueadora a suscitar o conflito no STJ.
Cláusula compromissória não pode abranger período anterior ao contrato
O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, afirmou que o STJ reconhece a possibilidade de conflito de competência entre juízo arbitral e órgão do Poder Judiciário, pois a atividade arbitral tem natureza jurisdicional.
“Havendo ambos os juízos se declarado competentes para decidir ações que guardam entre si inegável vínculo de prejudicialidade externa, e tendo sido proferida em uma delas decisão que impede a regular tramitação da outra, está configurado o conflito de competência”, explicou.
O ministro declarou que, segundo o princípio kompetenz-kompetenz, consolidado no artigo 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/1996, é o próprio árbitro quem decide, com prioridade em relação ao juiz togado, a respeito da sua competência para decidir sobre a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que a contém.
No caso dos autos, Cueva destacou que o contrato de franquia é de 2020, enquanto a suposta relação empregatícia teria começado em 2006. Dessa maneira, ele ponderou que a cláusula compromissória não pode abranger período anterior ao contrato de franquia, nem ser invocada para definir a competência de julgamento de demandas que não têm relação com ele.
Por isso, o relator entendeu que cabe à Justiça do Trabalho decidir as pretensões voltadas ao reconhecimento do vínculo empregatício, “ao menos no período anterior à assinatura do contrato de franquia”.
Suspensão é aplicada quando há prejudicialidade e a reunião de processos é impossível
Quanto ao período posterior, ele observou que seria do juízo arbitral a competência para apreciar a pretensão da franqueadora, inclusive para decidir, com prioridade em relação ao juiz togado, sobre a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória, mas ressaltou que a declaração de validade do contrato de franquia não poderia coexistir com o reconhecimento do vínculo empregatício, cabendo então ao STJ definir qual questão deve ser decidida em primeiro lugar e qual o juízo competente para isso.
Cueva apontou que, se a prejudicialidade entre os processos é evidente e não há possibilidade de reuni-los em um mesmo juízo, deve ser aplicado o artigo 313, inciso V, alínea “a”, do Código de Processo Civil de 2015 – que determina a suspensão do processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente.
Com base nisso, o ministro declarou a competência do juízo do Trabalho para decidir sobre a existência ou não do vínculo de emprego em todo o período reclamado, mantida a liminar que suspendeu o procedimento arbitral até o trânsito em julgado da reclamação trabalhista.
Hipossuficiência do trabalhador impede julgamento do caso no juízo arbitral
O relator comentou que, se não houvesse o questionamento dos direitos trabalhistas anteriores ao período da franquia, a franqueadora até poderia defender a competência do juízo arbitral para decidir sobre o vínculo empregatício, visto que a reforma trabalhista de 2017 passou a possibilitar a pactuação de cláusula de arbitragem nos contratos individuais de trabalho.
Contudo, ressalvou que as relações trabalhistas têm natureza peculiar e que, em regra, são preponderantes a hipossuficiência do trabalhador e a indisponibilidade da maior parte dos direitos tutelados. Nesse sentido, o relator entendeu que seria temeroso conferir eficácia, com base na reforma trabalhista, a uma cláusula compromissória inserida em contrato que, formalmente, não se apresentava como um contrato individual de trabalho.
Leia o acórdão no CC 184.495.
Superior Tribunal de Justiça