
Penhora contra empresa do mesmo grupo da executada exige prévia desconsideração da personalidade jurídica
19 de Setembro de 2023
Solução de Consulta nº 5.010, de 06 de setembro de 2023
20 de Setembro de 2023O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, proferiu uma decisão tributária com impacto para investidores estrangeiros. Liberou um fundo americano de recolher o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), com alíquota de 15%, sobre operação simbólica de câmbio feita para alterar a modalidade do registro de investimento no Banco Central (BC).
Trata-se de um precedente relevante para o mercado, por ser a primeira decisão que se tem conhecimento sobre o assunto. O entendimento foi adotado pelos desembargadores da 4ª Turma do TRF-3, de forma unânime.
Na operação simultânea de câmbio, não há efetiva remessa de dinheiro ao exterior. É algo simbólico. Além de controle cambial, serve, afirmam advogados, para marcar o valor do investimento e a data de referência da aquisição.
No caso analisado pelos desembargadores, o fundo americano Global Environmental Emerging Markets Fund II tinha participação societária em uma holding no Brasil, chamada Daleth Participações S/A. Essa empresa, por sua vez, possuía ações de outras empresas, em especial da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar).
Em 2014, a Daleth aprovou em assembleia uma redução de seu capital social e transferiu parte de suas ações da Sanepar para o Global Environmental. De acordo com o processo, com o valor das ações da Sanepar em baixa, não houve ganho de capital nessa operação.
Com o recebimento de ações negociadas em bolsa de valores, o fundo teve que alterar a modalidade de investimento no Banco Central, de investidor estrangeiro direto para conta de investimentos externos nos mercados financeiro e de capitais – chamado de “investidor 4.373”.
Essa migração implica, por exigência do BC e do Conselho Monetário Nacional (CMN), que sejam realizadas operações simultâneas (simbólicas) de câmbio. A questão é que, no caso específico, isso foi feito apenas em 2016 – dois anos depois de as ações terem sido transferidas.
Naquele ano, as ações da Sanepar estavam valorizadas. Com receio de sofrer a retenção do Imposto de Renda, o fundo impetrou um mandado de segurança preventivo na Justiça Federal para ser dispensado do pagamento do tributo.
O advogado que representou o fundo no processo, afirma que o caso é particular porque houve um descasamento entre o recebimento das ações e a operação simbólica de câmbio. “Mas a decisão tem contorno relevante para outros contribuintes, porque o fato gerador do IRRF é amplo. Vários fenômenos podem caracterizá-lo”, diz o advogado.
Segundo ele, as operações de câmbio são vinculadas a negócios subjacentes, como uma compra e venda ou de reestruturação societária. Por isso, afirma o advogado, não podem representar “nova realidade” para permitir a tributação.
A Fazenda Nacional, no processo, defende que, ainda que ficta, a operação simultânea de câmbio delimita o fato gerador do imposto, ou seja, o momento em que se considera ocorrido o ganho de capital. É nesse momento, argumenta, que o investidor adquire plena disponibilidade jurídica e econômica da renda proveniente da redução do capital.
Para os desembargadores, no entanto, o imposto poderia ser cobrado com o arquivamento, na Junta Comercial, do ato da assembleia que aprovou a redução de capital da sociedade.
“Neste momento, constituiu-se definitivamente a entrega das ações da Sanepar para a impetrante [fundo]”, afirma, no voto, a relatora, desembargadora Marli Ferreira (apelação nº 5001459-04.2016.4.03.6100).
Ela destaca, no entanto, que, no caso, não houve ganho de capital nessa transferência. “A valorização das ações da Sanepar deu-se quando a posse de tais títulos já compunha o acervo patrimonial da impetrante, somente sendo o caso de tributação se houver a venda das ações”, diz.
A relatora acrescenta que não há, no ordenamento jurídico, inclusive em normas infraconstitucionais do BC, previsão específica para o momento da ocorrência do fato gerador sobre as operações simultâneas de câmbio realizadas por investidor estrangeiro. Dessa forma, afirma, aplica-se a regra geral do artigo 116 do CTN [Código Tributário Nacional] – “tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável”.
A PGFN afirma que pode reverter o entendimento do TRF-3 nos tribunais superiores. Reforça que o fato gerador do ganho de capital se verifica na disponibilidade jurídica dos valores, que é efetuada com a solicitação da conversão da modalidade de investimento estrangeiro direto para o de mercado financeiro e de capitais. “Esse procedimento implica efeitos jurídicos idênticos aos de uma alienação da participação societária”, diz.
Afirma ainda que, embora não exista efetiva movimentação de recursos, as operações simbólicas e simultâneas de câmbio se equiparam à saída (baixa) e retorno do investimento (nova internalização). Fazem o papel de “ordens de pagamento para e do exterior” que ocorreriam em caso de circulação efetiva de divisas. “Embora a remessa e o reingresso de numerário ocorram de forma escritural, a operação é precificada e atenta ao valor dos ativos, sendo exigíveis diversos documentos comprobatórios da dimensão econômica da transação”, diz.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal Valor Econômico