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19 de Maio de 2023O julgamento que discute se houve a incorporação da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nas leis brasileiras será retomado nesta sexta-feira (19/5) no Supremo Tribunal Federal (STF) em ambiente virtual. O debate já dura mais de 25 anos. Pela convenção, é obrigatório ao empregador justificar o motivo pelo qual está demitindo o seu empregado.
O tema é tratado em duas ações: na ADI 1625 e na ADC 39. No entanto, apenas a ADI está pautada e, por isso, há chances da análise da ADI ser paralisada por um pedido de vista para evitar decisões conflituosas sobre o mesmo tema. Esse pedido de vista pode vir tanto do ministro Dias Toffoli quanto de André Mendonça ou Nunes Marques. Toffoli é relator da ADC 39.
Além disso, um julgamento em conjunto permitirá uma modulação – que precisa de 2/3 dos ministros para ocorrer. Na ADI 1625 essa hipótese fica mais complicada pois há ministros aposentados ou falecidos. Seria necessária uma deliberação sobre a possibilidade dos ministros atuais votarem apenas na modulação dos efeitos. Em princípio, não há impedimento para que isso ocorra.
Se apenas a ADI 1625 for a julgamento, existe uma convergência da maioria dos votos de que o decreto presidencial retirando o Brasil da Convenção da OIT deveria ter passado pelo Congresso Nacional. Portanto, há chances dessa parte da discussão ser resolvida. O que fica em dúvida é: como ficará a questão exclusiva da convenção 158 OIT? O tema será devolvido ao Congresso? Não valerá?
Discussão
A ação discute a validade da denúncia da Convenção 158 da OIT feita pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Na época, o presidente afirmou que o Brasil não iria mais aplicar a convenção, mesmo após a ratificação pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto 2.100/1996. No entanto, ele a excluiu do ordenamento brasileiro sem a anuência do Congresso. Por isso, o tema chegou ao Supremo – pela Constituição Federal, a denúncia de um tratado internacional está subordinada à participação do Congresso Nacional.
O julgamento é observado de perto por representantes empresariais e por trabalhadores. A questão é controversa porque há uma preocupação do setor produtivo de que ele possa afetar a dispensa sem justa causa no Brasil. Se o STF derrubar o decreto de FHC, as empresas passariam a ter de justificar a demissão para que ela seja “não arbitrária”.
A motivação pode ser por questões financeiras da companhia ou de mau desempenho do funcionário, por exemplo. Por outro lado, associações trabalhistas defendem que a Convenção da OIT não tem o alcance de impedir demissões, apenas condiciona os motivos e traz mais segurança aos trabalhadores.
Assim diz o texto da convenção em seu artigo 4º: “Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.
Pelo texto da convenção, a relação de trabalho não pode ser terminada por comportamento ou desempenho, sem antes o trabalhador se defender ao empregador das acusações feitas contra ele. Além disso, o trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de trabalho pode recorrer à Justiça do Trabalho. Assim, se a empresa não motivar a demissão, nesse caso, haveria uma demissão arbitrária, o que é vedada pela OIT 158.
Caberia a uma lei federal a ser editada pelo Congresso Nacional disciplinar quais seriam as punições neste caso. A demissão por erros graves, por justa causa, permaneceria intacta. Enquanto não houvesse uma lei específica, a interpretação sobre a demissão ficaria a cargo da Justiça do Trabalho, o que pode gerar múltiplas decisões e insegurança jurídica, na visão do setor produtivo.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) é terceira interessada nas ações e corrobora com a preocupação das empresas brasileiras com a volta da Convenção da OIT e com insegurança jurídica que ela pode trazer — em especial, sobre como o empregador justificaria essa demissão para não ser tida como arbitrária.
“A CNI defende a manutenção do costume constitucional republicano que confere ao Chefe do Poder Executivo a competência para denunciar tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário. Espera, de qualquer modo, que, ao tomar a sua decisão, o STF considere a necessidade de preservar a segurança jurídica e reconheça a validade das demissões sem justa causa consolidadas no passado, notadamente após transcorridos 26 anos da denúncia da Convenção 158 da OIT”, afirma Cassio Borges, diretor Jurídico da CNI.
Votos proferidos e quem vota em 2023:
Por ser um processo longo, seis ministros aposentados já se manifestaram e os seus votos serão mantidos. São eles: o relator, Maurício Corrêa, Carlos Ayres Britto, Nelson Jobim, Joaquim Barbosa, Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski. Os ministros Dias Toffoli e Rosa Weber também já votaram, mas como estão na ativa, podem alterar os votos.
Embora oito ministros já tenham se manifestado, ainda não há uma maioria formada sobre o tema. Portanto, os três votos faltantes serão cruciais para o desfecho. Votarão o atual decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, e os ministros Nunes Marques e André Mendonça, uma vez que os ministros que eles substituíram não proferiram votos antes da aposentadoria.
Os ministros aposentados Ayres Britto e Maurício Corrêa, o relator, julgaram que a validade do decreto deve ser analisada pelo Congresso. Já o ministro Nelson Jobim, também aposentado, entendeu que o decreto é válido e que a denúncia de um tratado internacional não precisa passar pelo Congresso Nacional.
O ministro Teori Zavascki, morto após acidente aéreo, trouxe uma solução intermediária: para ele a denúncia de tratados internacionais pelo Presidente da República depende de autorização do Congresso Nacional, no entanto, ele modula a decisão para que a necessidade de modulação ocorra depois deste julgamento — o que, na prática, manteria a Convenção 158 da OIT afastada.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, ambos aposentados, e a ministra Rosa Weber consideraram o decreto inconstitucional. Em seu voto, Rosa escreveu:
“Não obstante, a vigência, no direito pátrio, do texto da Convenção nº 158 da OIT de modo algum se traduz em garantia de permanência no emprego, tampouco autoriza comando de reintegração ou indenização, em caso de despedida sem justa causa, conquanto dependente, a matéria nele disciplinada, de regulamentação por lei complementar, na forma do art. 7º, I, da Constituição”.
Acrescentou: “Nos termos em que redigida a Convenção nº 158 da OIT, o direito individual do trabalho brasileiro já atende aos padrões nela definidos no tocante à disciplina normativa da extinção da relação de emprego por iniciativa do empregador, sendo certo, ainda, que ela subordina a própria eficácia à adoção de medidas legislativas adicionais pelos Estados-membros, assumindo caráter eminentemente programático”.
Por enquanto, o cenário na ADI 1625 é o seguinte:
- Denúncia de tratado internacional deve ser autorizada pelo Congresso, assim, Congresso deve resolver se a Convenção 158 da OIT será ou não usada no Brasil — Maurício Corrêa e Ayres Britto (2 votos)
- Denúncia de tratado internacional deve ser autorizada pelo Congresso, que, inclusive, deve fazer uma lei sobre o assunto. Porém, modula a decisão para frente, o que não alcançaria a Convenção 158 OIT, assim, a convenção continuaria sem valer no Brasil— Teori Zavascki e Dias Toffoli (2 votos)
- Decreto de denúncia assinado pelo presidente da República é constitucional mesmo sem anuência do Congresso – Nelson Jobim (1 voto)
- Denúncia de decreto internacional deve ser autorizado pelo Congresso Nacional e a Convenção 158 da OIT permanece vigente até exame do Congresso — Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa (3 votos).
A ADI 1625
O processo foi ajuizado no STF em 1997 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), e busca a invalidação do Decreto 2.100/1996, por meio do qual o então presidente Fernando Henrique Cardoso publicizou a denúncia à Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O objeto desta convenção internacional é o tratamento do término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Ela foi ratificada no Brasil e promulgada em abril de 1996. No entanto, pouco mais de oito meses depois de sua ratificação, foi denunciada pelo decreto acima mencionado, um ato praticado pelo chefe do Executivo. Em 1997, veio a ação que discute a constitucionalidade dessa denúncia, pois nos termos do artigo 49, I, da Constituição Federal, a denúncia de um tratado internacional (que culmina com sua exclusão do ordenamento interno) após determinado prazo está subordinada à participação do Congresso Nacional, o que de fato não aconteceu no Decreto nº 2.100/1996.
ADC 39
Além da ADI 1625, existe outra ação sobre o mesmo assunto, ajuizada em 2015 pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) e Confederação Nacional do Transporte (CNT) – a ADC 39. Essa ação não está pautada para julgamento, embora trate do mesmo assunto. Ela também esteve em julgamento em outubro do ano passado e foi interrompida por Gilmar Mendes. No entanto, não tem data para nova análise do colegiado.
Na ADC 39 já votaram o relator, Dias Toffoli, e os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Toffoli propôs o mesmo voto da ADI 1625: o Congresso precisa validar denúncia de tratado internacional, e orienta ao Legislativo fazer uma lei sobre o assunto. No entanto, modula a decisão para o futuro — assim, a convenção da OIT continuaria a não valer no Brasil.
Na ADC 39, Toffoli é uma posição isolada, por enquanto. Fachin, Lewandowski e Rosa Weber entendem que as denúncias precisam de anuência do Congresso e, portanto, a convenção da OIT deve voltar a valer no Brasil.
Equipe Marcelo Morais Advogados
*Com informações publicadas pelo jornal jurídico JOTA